segunda-feira, 27 de março de 2017

Olá! Bem-vindos ao blog AAC - Cheers! 
Hello! Welcome to AAC - Cheers!

Sou Rômulo Nascimento Mundin, acadêmico da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e membro da Associação Acadêmicas de Cardiologia (AAC). Dessa vez, o tema a ser abordado é "Depressão e Cardiopatia no sexo feminino".
I'm Rômulo Nascimento Mundin, medical student at Federal University of Ouro Preto (UFOP) and  member of AAC. This time, the topic to be addressed is "Depression and Cardiopathy in women".



A depressão é uma síndrome com elevados índices de prevalência na população mundial. Em populações clínicas, a incidência é ainda maior, cerca de 5% a 10% nos pacientes ambulatoriais e 9% a 16% em pacientes internados, como os cardiopatas. 
Depression is a syndrome with high prevalence rates in the world population. In  clinical populations the incidence is even bigger, about 5 to 19% in outpatients and 9 to 16% in inpatients, like the cardiopaths.

Em mulheres, tem sido avaliada, em muitos estudos epidemiológicos, como sendo aproximadamente duas vezes mais prevalentes que em homens. Mas por quê? 
In women, it has been evaluated in many epidemiological studies as being approximately twice as prevalent as in men. But why? 

Em questões biológicas, pesquisadores encontraram maior probabilidade de episódios depressivos em fases, como gestação, puerpério, climatério, bem como acredita-se que o ciclo menstrual possa estar diretamente ligado a sintomatologia depressiva. Essas são fases que ocorrem depleção ou flutuação do estrogênio, um hormônio sexual feminino. Diferentemente dos hormônios masculinos, este hormônio não é liberado de forma estável e constante ao longo do tempo, mas sua liberação pelos ovários ocorre de forma crescente até a metade do ciclo menstrual, para a partir daí diminuir, chegando a níveis baixos nos dias que antecedem a menstruação. A tristeza pós-parto (blues), por exemplo, atinge entre 26% e 85% das parturientes e a depressão maior pós-parto chega a 15% no estudo de Steiner et al, feito em  2003.
In biological issues, researchers detected higher probability of depressive episodes in phases like gestation, puerperium and climacteric as well as the fact that menstrual cycle may be directly related to depressive symptomatology. These are phases that occurs depletion or fluctuation of estrogen, a female sex hormone. Otherwise than male hormones, estrogen is not released steadily over time; its release by ovaries occurs increasingly until half of the menstrual cycle, when it starts to decrease, reaching low levels in the days leading up to/that preceds menstruation. The postpartum sadness (the baby blues), for example, affects between 26% and 85% of parturient and a postpartum major depression reaches 15%  in the study of Steiner et al, made in 2003.




O estrogênio afeta o humor e a cognição, atuando em muitas estruturas nervosas, inclusive no sistema límbico, o qual está relacionado a emoções e sentimentos. Suas múltiplas ações no sistema nervoso central relacionam-se, dentre outras funções, com a modulação da produção e liberação de neurotransmissores. Já se argumentou que a ciclicidade na liberação de estrogênio, com grande flutuação de suas quantidades circulantes, típica do funcionamento da mulher entre a menarca e a menopausa, poderia ser mais importante que os níveis absolutos de hormônio circulante, enquanto causa da vulnerabilidade ao estresse e, indiretamente, à depressão. Aparentemente, o estrogênio favorece tanto a neurotransmissão serotoninérgica quanto a noradrenérgica, sendo ambos substratos neurais de ação dos antidepressivos.
Estrogen affects mood and cognition, acting on many nervous structures, including the limbic system, which is related to emotions and feelings. Its multiple actions in the central nervous system are related, among other functions, to the modulation of the production and release of neurotransmitters. It has been argued that the cyclicity in the estrogen release, with wide fluctuation of its circulating amounts, typical of the functioning of the woman between the menarche and the menopause, could be more important than the absolute levels of circulating hormone, as cause of the vulnerability to stress and, indirectly, to depression. Apparently, estrogen favors both serotonergic and noradrenergic neurotransmission, both of which are neural substrates for antidepressant drugs action.

Na área psicossocial, é sabido que, ao longo da história, a mulher frequentemente tem estado em posição de submissão em relação ao homem. Contudo, nas últimas décadas, vêm ocorrendo mudanças sociais em que ela é cada vez mais solicitada a contribuir financeiramente com o sustento da família, mas continua responsável por funções domésticas, ocorrendo uma sobrecarga de trabalho e de responsabilidades. Embora a mulher também possa obter benefícios dessas transformações, sua carga de estresse tende a ser maior. 
In the psychosocial area, it is known that, throughout history, women have often been in a position of submission to the man. However, in recent decades, social changes are occurring in which woman is increasingly being asked to contribute financially to the family's livelihood, but she is still responsible for domestic duties, with an overload of work and responsibilities. Although women can also benefit from these transformations, their stress load tends to be higher.



O estudo Lunsky et al., que comparou pessoas com incapacidade intelectiva de ambos os sexos, mostrou que as mulheres apresentam maiores escores de depressão que os homens; e ainda, as mulheres com sintomas depressivos mais acentuados tinham menos suporte social e mais situações de abuso do que mulheres que apresentavam escores mais baixos. Outro estudo mostrou que o abuso sexual na infância está associado à maior prevalência de depressão na vida adulta para ambos os sexos, entretanto esse tipo de violência ocorre mais frequentemente com mulheres. 
The Lunsky et al. study, which compared people with intellectual disability of both sexes, showed that women had higher depression scores than men; and yet women with more pronounced depressive symptoms had less social support and more abuse situations than women who had lower scores. Another study has shown that childhood sexual abuse is associated with a higher prevalence of adult-onset depression for both sexes; however, this type of violence occurs more frequently with women.

E qual a relação entre depressão e cardiopatia? Há relação de causa-consequência? São eventos independentes?
And what is the relation between depression and heart disease? Is there a cause-and-effect relationship? Are they independent events?

A depressão age como fator de risco para a doença coronariana e o infarto agudo do miocárdio. A presença de sintomas depressivos após um IAM está associada a maior reincidência de IAM, morte por doença cardíaca, internação prolongada e prejuízo funcional pós-infarto. 
Depression acts as a risk factor for coronary heart disease and acute myocardial infarction. The presence of depressive symptoms after AMI is associated with a greater recurrence of AMI, death due to cardiac disease, prolonged hospitalization and post-infarction functional impairment. 


A cardiopatia também pode atuar como fator de risco para depressão. É possível que o surgimento de quadros depressivos em pacientes com patologias cardíacas esteja relacionado a alterações cerebrais decorrentes da doença cardiovascular. Sujeitos com ICC apresentam diminuição da circulação sanguínea cerebral global e regional, envolvendo regiões límbicas e paralímbicas na depressão na IC. Além de anormalidades funcionais, a presença de depressão maior em sujeitos com doença cardiovascular foi associada a alterações estruturais observáveis por ressonância magnética e lesão de substância branca com aumento da frequência e gravidade dessas lesões.  A presença de tais alterações, envolvendo regiões cerebrais e afetando circuitos responsáveis pela regulação do humor, poderia facilitar a ocorrência de depressão maior em pacientes com doença cardiovascular.
Heart disease can also act as a risk factor for depression. It is possible that the emergence of depressive disorders in patients with cardiac diseases is related to brain changes due to cardiovascular disease. Subjects with congestive heart failure (CHF) have decreased global and regional cerebral blood flow, involving limbic and paralimbic regions in HF depression. In addition to functional abnormalities, the presence of major depression in individuals with cardiovascular disease was associated with structural alterations observable by magnetic resonance imaging and white matter lesion with increased frequency and severity of these lesions. The presence of such changes, involving brain regions and affecting circuits responsible for mood regulation, could facilitate the occurrence of major depression in patients with cardiovascular disease. 


E como a depressão se manifesta em cardiopatas?
And how does depression manifest itself in heart disease?

Primeiramente, deve-se esclarecer alguns pontos. A manifestação clínica da depressão de um cardiopata difere de um não cardiopata. A depressão pode anteceder a cardiopatia (atuando como fator de risco, diminuindo a adesão ao tratamento e piorando o prognóstico), mas também pode ocorrer devido à cardiopatia, tanto na parte da descoberta da morbidade, quanto nas intervenções cirúrgicas que possam ocorrer e nos efeitos deletérios da qualidade de vida, como capacidade de trabalho, liberdade, autonomia, capacidade sexual, qualidade do sono e convívio social. 
Firstly, a few points need to be clarified. The clinical manifestation of cardiac depression differs from that of a noncardiac patient. Depression may precede heart disease (acting as a risk factor, decreasing adherence to treatment and worsening prognosis), but may also occur due to heart disease, both in the discovery of morbidity, and in surgical interventions that may occur and in the effects of quality of life, such as work capacity, freedom, autonomy, sexual capacity, quality of sleep and social interaction.

A depressão derivada da cardiopatia está relacionada a perda ou possibilidade de perda. E ela se manifesta em diferentes formas, dependendo da doença cardíaca. 
Depression derived from heart disease is related to loss or possibility of loss. And it manifests itself in different forms depending on heart disease.

Em paciente coronariano, a angústia e a ansiedade parecem manifestar-se como uma competitividade exacerbada, uma necessidade constante de realizar coisas e sempre no menor prazo possível. Paciente busca mostrar utilidade e capacidade de ser prestativo, pois vê a doença cardíaca como fracasso. Em portadores de insuficiência coronariana ou após infarto agudo do miocárdio (pós-IAM), a prevalência de depressão maior varia de 17% a 27%, podendo ser ainda mais elevada se forem considerados transtornos depressivos subsindrômicos. 
In a coronary patient, anguish and anxiety seem to manifest as an exacerbated competitiveness, a constant need to accomplish things and always in the shortest possible time. Patient seeks to show utility and ability to be helpful, as he sees heart disease as failure. In patients with coronary insufficiency or after acute myocardial infarction (post-AMI), the prevalence of major depression ranges from 17% to 27%, and may be even higher if subsyndromic depressive disorders are considered.

Há diferenças também dos sintomas depressivos entre homens e mulheres com depressão, sendo as mulheres com queixas mais somáticas; e homens, mais cognitivas. O estudo realizado por Lestere Khalck et al em jovens ingleses de 18 a 23 anos mostrou que mulheres referem choro, autodepreciação, ideação suicida e alterações de peso mais que homens.
There are also differences in depressive symptoms among men and women with depression, with women with more somatic complaints; and men, more cognitive. The study by Lestere Khalck et al in young English aged 18 to 23 showed that women report crying, self-depreciation, suicidal ideation and weight changes more than men.

É importante reforçar que a depressão ainda é subdiagnosticada e, quando corretamente diagnosticada, é muitas vezes tratada de forma inadequada, com subdoses de medicamentos e manutenção de sintomas residuais, comprometendo ainda mais o prognóstico e a qualidade de vida dos cardiopatas.
It is important to emphasize that depression is still underdiagnosed and, when correctly diagnosed, is often treated inappropriately, with medication underdoses and maintenance of residual symptoms, further compromising the prognosis and quality of life of the cardiopaths.

E, por fim, como abordar paciente mulher depressiva e cardiopata?
And, finally, how to approach a depressive and cardiopath woman?

Em primeiro lugar, deve-se levar em conta à suscetibilidade de cada sexo. Como é do sexo feminino, deve-se investigar histórico biopsicossocial, uso de hormônios injetáveis ou orais, alterações hormonais da idade, peculiaridades de apresentação da depressão (sintomas somáticos) e perfil do cardiopata (funcional ou coronariano). 
First of all, doctors must take into consideration the susceptibility of each sex. As a female, biopsychosocial history, use of injectable or oral hormones, hormonal changes of age, peculiarities of presentation of depression (somatic symptoms) and cardiopath profile (functional or coronary) should be investigated.


Importante abordar de forma inclusiva, em que os sintomas depressivos devem ser contabilizados, independente de poderem ser explicados pela patologia clínica, como a fadiga e insônia na insuficiência cardíaca, que podem ser explicados pela doença clínica, mas devem ser contabilizados como sintomas depressivos. Essa abordagem gera mais diagnósticos falso-positivos, porém diminui o risco de não se diagnosticar um quadro depressivo oligossintomático, e, posteriormente, apequenar a vida do paciente. É basilar, portanto, sempre fazer um tratamento centrado na pessoa, e não na doença, o que pressupõe incorporar realidades sociais e diferenças biológicas de cada indivíduo.
It is important to approach in an inclusive way, in which depressive symptoms should be accounted for, regardless of whether they can be explained by clinical pathology, such as fatigue and insomnia in heart failure, which can be explained by clinical disease, but should be counted as depressive symptoms. This approach generates more false-positive diagnoses, but decreases the risk of not diagnosing an oligosymptomatic depressive condition, and subsequently, shortens the patient's life. It is, therefore, always to make a treatment centered on the person, not on the disease, which presupposes incorporating social realities and biological differences of each individual.

Na próxima semana, dia 03/04/2017, teremos a postagem da Ana Eloísa Novaes sobre "Como a mídia tem abordado o tema da depressão?".
Next week, 04/03/2017, we will have the post of Ana Eloísa Novaes about "How media has approached the subjects related to depression?".

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